terça-feira, 29 de março de 2011

NEGRITUDE, SEXUALIDADE E PRECONCEITO




A COISA TÁ BRANCA, BIBA!



(by Luiz Henrique Prieto)




A semana foi recheada de reuniões, debates, seminários e muita conversa, principalmente sobre temas polêmicos.

Começamos no domingo, com a participação de um humorista mineiro, Thiago Carmona, vencedor do quadro “Risadaria”, contando piadas sobre racismo, passamos pelo “Momento de Prosa”, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte e terminamos com o “II Seminário do Programa de Ações Integradas e Referenciais – PAIR”, cujo tema foi o “Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”.

O humorista arrancou risos da platéia, quando fez o comparativo entre as cores preta e branca.

Colocado de maneira lúdica, realmente é engraçado.

Mas, basta tirar os aplausos, a risadaria e a coisa bate feio, tipo um soco na boca do estômago.

No imaginário popular, preto significa tudo aquilo de ruim, de pesado, de imundo que a vida possa oferecer.

Frases do tipo “a coisa tá preta” ou “seu nome está negativado”, revelam uma pré disposição para que possamos associar a cor preta a coisas realmente desagradáveis.

Ninguém diz “brancativo”, quando quer afirmar algo, mas diz “negativo”, quando a coisa tá ruim!

Preto simboliza a morte, quando estamos de luto.

Depois que discriminação racial virou crime, deixamos descaradamente de chamar “aquele negão” e passamos a chamá-lo de “afro-descendente”.

Pior ainda: “Aquele rapazinho moreno escuro, sabe? Aquele escurinho...

Qual é o problema em dizer “Aquele rapaz negro”?

Do meu humilde ponto de vista, acredito que a maldadade está nos olhos de quem vê e não propriamente na situação em si.

Coincidentemente, na terça-feira, caiu em minhas mãos um livro, cujo título “Minha Mãe é Negra Sim!” (Patrícia Santana - Ed. Maza), que chamou bastante a minha atenção.

Com texto direcionado para o público infanto-juvenil, o livro traz a história de um garoto que, ao fazer um desenho de sua mãe e tentar colorí-lo de preto, teve a atenção chamada pela professora.

A mestra, ao invés de incentivar a criança, sugeriu à mesma que colorisse o desenho de outra cor.

Ora, se a mãe do garoto era preta, que outra cor poderia preencher o desenho?

Encurtando a história, o avô do garoto contou-lhe toda a trajetória dos ancestrais africanos e reafirmou a importância desta raça para a humanidade, sem florear ou colocar panos quentes no assunto.

E a criança, com muito orgulho, coloriu a mãe-preta!

Durante o “Momento de Prosa”, debate realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, com a participação de integrantes do Núcleo Étnicoracial da Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria da Promoção Racial – CPIR, várias questões acerca da negritude foram levantadas: discriminação no mercado de trabalho, baixa auto-estima dos pretos e o maldito legado que a sociedade herdou dos tempos do Brasil-Império.

Segundo o relato de uma das participantes, quando a mesma adentrou no elevador social do prédio onde mora, foi tirada aos berros pela nova síndica, que indicou o elevador de serviços para “aquela serviçal”.

Outro relato interessante, é do casal preto e branco (um negão e uma loira), em um carro de luxo. A branca, com um filho recém nascido no colo, por questões de segurança senta no banco traseiro, ao passo que o marido, preto, assume a direção do veículo. Uma amiga aproxima-se da janela traseira do carro e diz prá branca: "Uau, que chique, hein? Tá até com motorista particular!"

Tsc, tsc...

Sem falar na barreira psíquica que a própria família impõe aos filhos!

Preto não se mistura, tem que ficar no seu lugar”!

Quê isso, meu filho? Já viu dentista pretinho? Larga esse livro e vai ajudar seu pai na construção”!

"Preto somente tem direito a sub-emprego"!

Ia me esquecendo de um dado, no mínimo, curioso: sabiam que na Rede Pública de Saúde a consulta de uma mulher preta ao ginecologista é mais rápida qua a consulta de uma mulher branca?

Falar “preto”, o tempo todo, pode parecer preconceito, mas é proposital!

Aprendi com um grande preto, Celso Athayde, que não temos que ficar maquiando nada.

Preto é preto e pronto!

E eu, que sou um preto banhado em água sanitária, o que resulta num “moreno pardo”, me sinto à vontade de continuar chamando o meu amigo de Negão, sem ter a preocupação de estar ou não cometendo um crime.

Situação difícil, né?

Minha cor não está na cartela oficial de cores!

Não existe lápis de cor parda, camisa parda, terno pardo, meia parda.

Pardo mesmo, só o molho da galinha!

Logo, sou um preto desbotado e não tenho nenhuma vergonha em assumir a minha condição!

Prosseguindo no tema preconceito, eis que me cai nas mãos o seguinte trecho: “Respeito o amor entre duas pessoas, como quem respeita o amor entre duas almas, independente de sexo, raça, condição social... Se o Espiritismo não for capaz de me ensinar isto, presentemente na Terra não existe esperança para mim!... Não estranhem. Eu estou me referindo a Amor...

O trecho foi extraído do livro “O Evangelho de Chico Xavier” e a frase é de autoria do mesmo.

O tema veio a calhar durante o “II Seminário do Programa de Ações Integradas e Referenciais – PAIR, Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”, pois foi levantada a questão da mudança na estrutura da família tradicional.

Como lidar com essa mudança?

O filho de um casal, cuja base familiar é uma relação homoafetiva, merece ser discriminado pelos colegas e pela sociedade?

Há pouco tempo atrás, filho de mãe solteira era uma doença. Filhos adotivos também!

Hoje, filhos de “bichas” e “sapatões” sofrem na pele a desgraça da discriminação.

Mas, como lidar com essas novidades?

Transferindo a responsabilidade para as Escolas, para os Educadores!

(Pelo menos esse é o pensamento geral).

Sexo é assunto proibido no círculo familiar!

Sexualidade? Que porra é essa?

Polêmicas, polêmicas e mais polêmicas...

A criança não tem a mesma leitura da sexualidade que um adulto!

Tanto é que, quando crianças, não nos importávamos de andar de mãos dadas com o coleguinha do mesmo sexo, muito menos de abraçá-lo, ou de beijar-lhe a face.

Depois de marmanjos, quando vemos alguém expressando tal forma de carinho publicamente, logo pensamos: “alá as bichonas!" (ou sapatonas, como queiram).

O que era puro e permitido na infância, torna-se sujo e proibido na fase adulta.

Perdemos a essência da bondade e adquirimos a essência da maldade.

Ocorre a demonização da sexualidade!

Tem remédio?

Sim, a começar pela Orientação, dentro do próprio circulo familiar!

Não existe um manual de procedimentos, ou um livro qualquer que vá lhe ensinar a orientar a sua prole para as novidades da socieade moderna.

Aliás, se nem você sabe como lidar com a sua própria sexualidade, como vai ensinar a alguém?

Para encerrar o tema “proibidão”, uma frase do psicanalista Paulo Roberto Cecarelly resume a demonização da sexualidade: “A reação do adulto, ante o flagrante de uma criança que, porventura, esteja descobrindo a sua sexualidade através de brincadeiras inocentes é que irá definir se aquilo é sujo e proibido ou se é algo saudável”.

Fechando a coluna de hoje, um dado alarmante, trazido pelo Bel. Felipe Falles, da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente – DEPCA, de Belo Horizonte: são registrados, anualmente, cerca de 7.800 (sete mil e oitocentas) denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes, somente no município de Belo Horizonte!

O contingente da DEPCA? Dois delegados e 20 (vinte) investigadores!

Tirem suas próprias conclusões!



(*) Luiz Henrique Prieto é integrante do Núcleo de Comunicação da CUFA - Central Única das Favelas, Base Belo Horizonte e colunista da CUFA BRASIL.


Contatos: http://www.cufa.org.br/ / http://www.cufabh.org/ / Twitter: @LHprieto



terça-feira, 8 de março de 2011

DIA INTERNACIONAL DA MULHER - NEUSA BAPTISTA

DO DIREITO DAS MULHERES NEGRAS SE SENTIREM MULHERES


(by Neusa Baptista)

Há cerca de duas semanas, cortei curtinho meu cabelo.
O cabelo, aliás, me surpreende a cada dia com sua capacidade de revelar e provocar.
Foi o que aconteceu desta vez.
Por onde eu andava, cabeças masculinas e femininas se viravam para ver meu cabelo.
A princípio, pensei comigo mesma: “O que foi que eu fiz?”
Sentia-me menos mulher e ao mesmo tempo pensava: “Agora preciso me vestir com muita feminilidade, pois com este cabelo curto, posso passar por homem”.
De repente me vi numa loja de 1.99, em meio à tic-tacs, lacinhos, brincos coloridos e outras coisas. Na ânsia de mostrar o quão feminina era, tornei-me mais feminina mesmo!
Em atos e palavras!
Por que isso não tinha acontecido antes?
Com meu cabelo crespo e curto, recebi muitos olhares de reprovação, riso, espanto. Além de crespo, ainda curto! Pasmem!
Comentei com meu cabeleireiro (Jair Vip’s, um beijo!) que “mulher de cabelo curto sofre preconceito” e ele ficou espantado!
Aos poucos, fui me acostumando e aprendendo a “dominar” o meu curtinho, de modo que ele parecesse ao mesmo tempo, natural e bem cuidado.
Engraçado!
É só a gente começar a se achar bonita que as pessoas em volta fazem coro!
O contrário também acontece, claro.
Quer que os outros falem bem de você? Comece a falar bem de você!
E isso não pode ser do tipo “Eu sou o máximo”, mas do tipo “Nós podemos ser o máximo juntos”.
Piegas, né? Não consegui pensar em nada melhor. Rs. Enfim.
O meu cabelo curtinho me obrigou a pensar mais em minha feminilidade.
E isso se deu ainda somado ao fato de ele ser crespo.
Isto é, geralmente, os homens negros utilizam o cabelo raspado e as mulheres alisado. Portanto, o fato de eu ser negra não me ajudava muito mesmo.
Mas se tem uma coisa que eu gosto é de chamar a atenção para o meu cabelo!
Sério.
Quando meu cabelo não chama a atenção, eu acho que ele não cumpriu seu papel, que é o de ser mensageiro de algo positivo sobre a negritude. Enfim.
Tal como ocorreu há muitos anos com o meu penteado rastafári, o curto, que a princípio parecera ‘feio’ e ‘masculino’ se revelou, na verdade, versátil, irreverente, delicado e feminino!
Mas a meu ver, isso só aconteceu porque era crespo, e porque eu sou negra, e sou mulher!
Muitos papéis, significados, lugares, atitudes a tomar...
Para prá pensar: se a mulher branca (ou não negra) já tem problemas, pensa na negra! Pensa!
Então, por isso quando vejo uma mulher negra se destacando, não sei da vida íntima dela, mas imagino que deva ter enfrentado alguns obstáculos que poderiam ter sido evitados se o País fosse menos racista, machista etc.
Por isso, neste 8 de Março, um abraço especial a todas as mulheres pretas (negras, pardas, índias, gordinhas, baixinhas, comuns) do Brasil.
Vocês são foda.

Neusa Baptista é integrante do Núcleo Maria-Maria da CUFA – Central Única das Favelas, Base Cuiabá – Mato Grosso.

Contatos:
www.cufa.org.br / www.cufa.org.br/matogrosso / www.projetopixaim.blogspot.com

DIA INTERNACIONAL DA MULHER


Texto: Clarissa Cavalcanti (Cufa -Sc)
Arte Design: Ana Ostapenko (Cufa - Ms)